O problema da literatura estrangeira
O grande mal do gosto literário hoje é o vício de ler apenas literatura estrangeira traduzida.
Hoje, muitos — inclusive poetas — leem tudo, Horácio, Píndaro, etc. etc., mas não leem boa prosa portuguesa. Leem Dostoyevski, Tolstoi, mas não leem Castilho, Alencar, Camilo Castelo Branco. No fim, leem traduções, cujo valor da língua normalmente é muito pobre. Uma página de Alencar (ou Graciliano Ramos, que seja) tem mais valor para um escritor do que as melhores páginas de Crime e Castigo, desde um ponto de vista linguístico, para a técnica de escrever em vernáculo. E acabo de ver que isso não é um problema do nosso século apenas:
Sabíamos pouco; mas esse pouco, sabíamos bem. Aos onze annos não conhecia uma só palavra de língua estrangeira, nem aprendera mais do que as chamadas primeiras lettras. Muitos meninos porém, que nessa idade tagarellam em varias línguas, e já babujam nas sciencias; não recitam uma pagina de Frei Francisco de S. Luiz, ou uma ode do Padre Caldas, com a correcção, nobreza, eloqüência e alma que Januário sabia transmittir á seus alumnos.1
Vejam que curioso! Nada menos do que o grande José de Alencar. O estudo diligente da língua pátria nos faz chegar muito mais longe do que o estudo dos autores estrangeiros.
Como já dito, ninguém irá escrever como no século XIX, ainda que fosse bom ter um pouco de século XIX. É sempre uma mistura de oralidade com erudição, mas sem o sabor da língua, especialmente no registro erudito. Onde começam os embaraços: na prosa. Nada mais feio do que tentar escrever em estilo elevado sem conhecer a lingua.
Alencar, José de, Como e porque sou romancista. Rio de Janeiro: Leuzinger & Filhos, 1893., p. 16. ↩︎
Este texto faz parte de um trabalho contínuo sobre forma, literatura e estética. Se quiser acompanhar novos ensaios e fragmentos, você pode subscrever a newsletter.